quinta-feira, 7 de maio de 2015

Tarólogo: Profissão ou Missão?

As diferenças entre um caminho 
em que se coloca todo o coração, 
e outro em que se depositam 
apenas as ânsias do ego!


Tem me chamado muito a atenção o fato de grande parte das pessoas que procuram meus cursos para se iniciarem no tarot falarem logo em trabalhar profissionalmente com ele, antes mesmo de saber se são capazes de desenvolver algo para si mesmo através dos arcanos. De transformarem essa experiência em algo verdadeiro e profundo para si! É costume nos cursos, tanto de astrologia quanto de numerologia, que antes de ler o mapa de outras pessoas, se estude profundamente o próprio mapa! Estranhamente alguns agem com relação ao tarot como se ele fosse um instrumento antes para os outros do que para si mesmo! A linguagem simbólica do tarot é um caminho metafórico de desenvolvimento pessoal, tanto prático e psicológico, quanto espiritual. Antes de usá-lo para tentar mergulhar no outro, sugiro que mergulhemos em nós mesmos. Você não pode levar o outro em segurança a onde você mesmo nunca esteve! Os tipos carreiristas sempre parecem bem intencionados, mas mentem para si próprios. Logo farão o mesmo para o resto do mundo. Pessoalmente eu nunca vi o tarot como um trabalho, ou profissão. Ele sempre foi, e ainda é, antes de tudo um instrumento de expansão da consciência, crescimento, reflexão e de fascínio, que representa em suas imagens todos os conhecimentos espirituais que adquiri numa caminhada que se iniciou aos quatorze anos de idade! Viver do tarot foi um modo de poder focar mais nesta caminhada, e de compartilhar o que amadureci ao longo dela com as pessoas que se interessassem pelo o que eu tinha para oferecer! Simples assim. E seguir neste caminho foi algo muito estimulado por muitas dessas pessoas, que mais tarde vieram a serem meus clientes, alunos e amigos.
Este artigo que se segue foi publicado no Clube do Tarot em maio de 2008, e me parece cada vez mais atual e necessário de ser lido.

Tarólogo: Profissão ou Missão?

É muito comum que aqueles que se interessem por desenvolver o tarot acabem por ser solicitados ou mesmo que se automotivem a usar as cartas para outros. Basta alguém saber que você está lendo ou estudando o tarot experimentalmente que logo surgem os primeiros interessados em conhecer as suas habilidades.
Isso é natural e muito útil, pois pode auxiliar o leitor a treinar a sua intuição, bem como os seus conhecimentos sobre tarologia. Com a prática, e alguma auto-observação, o estudante perceberá que as mensagens lidas para outros servem, e muito, para o seu próprio crescimento interior, além de que ele mesmo possui uma peculiaridade no modo de ler, que consegue obter uma informação com mais precisão do que as outras, ou ainda, que sua leitura possui um viés próprio, uma assinatura.

O Eremita, A evolução da experiência.
Tarot of The New Vision, by Pietro Alligo.

*A prática mostrará a ele se sua leitura é mais analítica (baseada totalmente no conteúdo teórico de tudo o que você leu ou estudou e na sua habilidade mental para reuni-las na leitura), intuitiva (quando a sua intuição der saltos inexplicáveis e precisos, muito além daquilo que foi lido ou estudado por você), psíquica (quando imagens mentais – vidência – afloram com o auxílio dos arcanos, apesar de haver pouca ou nenhuma formação teórica), ou mais sensitiva (quando a inspiração combina conhecimento do tarot com a capacidade de captar mensagens do inconsciente de quem se consulta). Com o tempo essa assinatura aliada a sua habilidade psíquica mais desenvolvida o caracterizará como tarólogo e o auxiliará a formar o seu público.
Para algumas pessoas esse público crescerá de tal modo que viver desse trabalho, ou tê-lo como complemento de uma renda, será a consequência natural desse processo. O que vemos até aqui é o desabrochar de uma missão! Palavra que parece boba, fora de moda neste mundo obcecado por teorias, formatações e credenciais. A missão, contudo, não deveria ser encarada desse modo, ela é o encontro da consciência com o propósito intrínseco da alma.
Cumprir uma missão independe de a relação com essa atividade ser profissional ou não! Alguém que vive uma missão cresce com o seu caminho, não o tem apenas como um meio de ganhar dinheiro, mas como uma forma de desenvolver sua espiritualidade, compreender a vida e dar a sua contribuição para ela. Viver ou não com exclusividade desse ofício não importa, o que importa é realizá-lo com a máxima dedicação, como um sacerdócio, o que poderá ou não incluir pagamento em dinheiro. Para os que cobram o dinheiro é uma forma de estabelecer uma troca por um tempo que foi dedicado. Para os que se recusam a cobrar, o pagamento é a troca humana e o alargamento da percepção de mundo que o tarot nos proporciona. Não existe de fato um modo correto ou errado de estabelecer essa relação com o tempo e o dinheiro, depende de uma série de fatores pessoais e intransferíveis, e cada um deve refletir sobre o seu próprio caso.

O Perigo


Para quem fez alguns cursos, com aqueles que lhe apontaram como os “melhores” professores, com certificado e tudo o mais, e leu os melhores livros e participou dos melhores seminários... Bem, para esses parece mais do que claro que estão prontos para se tornar profissionais, abrir suas tendinhas e colocar em prática tudo o que estudaram e que, inclusive, pagaram para isso, com a melhor das intenções, é claro!
O problema desse tipo de leitor é que ele se esqueceu de que um tarólogo não é apenas um interpretador de símbolos, mas que é, sobretudo, um espiritualista, que por definição é alguém que tenta fluir com a existência observando os sinais da vida, sacando o que lhe é requisitado para que ele cumpra o seu papel na grande dança cósmica ao invés de se impor, muitas vezes por puro capricho do ego, ou como uma válvula de escape dos próprios problemas. Como disse Santo Agostinho: Misticismo é o conhecimento de Deus pela própria experiência.
Esse é o tipo que se pergunta primeiro se o “mercado” é favorável, se dá para viver disso, e se não der, logo se perguntará como optimizar essa possibilidade. Alguns acabam virando mercadores que muito rapidamente passam a classificar e pasteurizar o seu produto para melhor comercializá-lo, que lutam por um curso credenciado de tarot, garantindo sempre que é para melhor servir os que se interessam em consultá-lo ou estudá-lo, ou que é uma forma de respeitar e proteger esse belo manancial do conhecimento humano... Isso lembrou alguém?... É, tá cheio disso não é mesmo? Não significa ser contra a profissionalização, mas a favor da liberdade de descoberta pessoal que a prática tarológica proporciona.
Lembremos o arcano de O Louco, o caminhante que sai desse mundo abandonado as regras do sistema, o sublime transgressor, que renuncia a tudo o que sabe para percorrer a estrada única do seu desenvolvimento interior. A viagem dele pelos arcanos maiores é a nossa jornada pela vida. Quando termina a jornada, completamente iluminado, ele o faz do mesmo modo, livre, sem apegos às coisas desse mundo, sem nenhuma necessidade de autoafirmação ou auto-validação que venha de outros. Nem mesmo o cão que, no tarot clássico, rasga sua calça e parece querer detê-lo, símbolo da domesticação e da subserviência, é capaz de perturbá-lo. Nenhuma promessa de segurança é capaz de ludibriá-lo, pois ele sabe que a iluminação não é a consequência de um plano, e que qualquer caminho que realmente vale a pena percorrer não oferece garantias. As garantias vêm de sistemas mortos.

O Louco, o aspecto transgressor do espírito.
Osho Zen Tarot, by Ma Deva Padma
.

O que importa como somos classificados pelo ministério do trabalho? Do que valeu para qualquer classe de profissionais no mundo essa classificação, ou a garantia de direitos das associações ou sindicatos, a não ser, é claro, para criar uma massa não pensante, mesquinha e materialista? Os tarólogos que cumprem uma missão com o tarot vivem livremente nesse mundo desde o século XVIII.
Os profissionais que se organizam em qualquer tipo de movimento para regulamentar uma atividade o fazem para garantir, antes de mais nada, o exercício controlado de um trabalho para fins comerciais! Aqueles que se reúnem para definir códigos de ética não assumem, que no mesmo instante em que a ética tem de ser oficializada ela já morreu! O que pode fazer um curso credenciado a não ser formatar generalizadamente o conhecimento e destruir uma miríade de possibilidades de potenciais criativos e espirituais?

O Caminho


Para os que se interessam em desenvolver o tarot como uma prática espiritual, oracular e meditativa para si e para os outros eu já havia deixado a sugestão de alguns questionamentos no meu artigo O Papel Espiritual do Tarólogo, onde procurei instigar a pergunta mais importante que qualquer aspirante ao tarot deve se fazer: Por que eu quero fazer isso? O que me motiva mais profundamente a praticar o tarot? Para descobrir isso deixe o tempo atuar sobre você e o trabalho que você está criando, observe como se sente e qual é a demanda de trabalho que você tem. Como as pessoas recebem o que você comunica através do tarot? Que tempo demoram para retornar a consultá-lo? Observe as habilidades que a lida com os arcanos afloraram em você. E, sobretudo, reflita se a relação com o dinheiro, e sua inevitável flutuação numa atividade autônoma, o deixam tenso a ponto de atrapalhar o equilíbrio da sua relação com o trabalho tarológico.
Lembre que não há desvantagem nenhuma em se ter uma outra atividade complementar ao ofício com o tarot, em querer ter uma base de estabilidade financeira para fazer com relaxamento e dedicação uma atividade profunda como a tarologia. O único caminho que vale a pena ser seguido é aquele que vem de dentro, que nos eleva, nos ilumina e que nesse processo nos permite compartilhar nosso caminho e nossas experiências com outros. Se nossas vivências e estudos iluminam alguém mais, além de nós mesmos, então essa é a verdadeira realização.